1.000 dias depois do maior crime ambiental da história do Brasil, a 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu nesta semana, deslocar para a Justiça Federal a ação penal envolvendo o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Com isso, o recebimento da denúncia pela Justiça Estadual de Minas foi anulado. A tragédia, que aconteceu em 25 de janeiro de 2019, é considerada o maior acidente de trabalho do Brasil, com 270 mortos. Ao todo, 16 pessoas foram denunciadas em fevereiro de 2020 por homicídio duplamente qualificado, por 270 vezes, que é referência ao número de vítimas.
A decisão do STF foi tomada após a apresentação da defesa de Fábio Schvartsman e Felipe Figueiredo Rocha, respectivamente ex-presidente e ex-engenheiro da Vale. De acordo com eles, “houve crimes contra a União, o que atrairia a competência da Justiça Federal”.
Coordenador do MAB diz que decisão “é um absurdo, pois o caso vai voltar à estaca zero”
Em entrevista exclusiva ao Jornal de Juatuba e Mateus Leme, o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, explicou que a Vale já havia tentado levar o caso para a Justiça Federal, mas com a intervenção do Ministério Público e a decisão do próprio STF, decidiu-se continuar o julgamento do processo em Minas Gerais. A justificativa é de que o processo estaria adiantado, em relação à avaliação dos documentos e oitivas das testemunhas.
O coordenador do movimento destaca ainda que os dirigentes da empresa acreditam que, na Justiça Federal, a Vale tem mais chance de se livras das penalidades criminais. “Basta olharmos para Mariana, passaram-se seis anos, ninguém foi preso e inclusive foi arquivado o processo criminal. Já no processo Civil, o Juiz da 12ª vara Federal, que está cuidando do caso, é mais advogado da Vale do que um Juiz de Justiça. Começará tudo de novo, o MPF terá que apresentar a denúncia novamente, que já estava em andamento. Todas as denúncias estavam formalizadas, inclusive tivemos uma CPI na esfera estadual, que já havia apurado várias denúncias, voltamos à estaca zero novamente”, diz indignado.
Andrioli pontua ainda que a Vale está tentando ficar impune: “É um absurdo recebermos essa notícia logo na semana em que completamos mil dias de impunidade. Nesta quinta-feira, justo quando completaram os 1.000 dias, fizemos um grande protesto na porta da Justiça Federal em BH, para contestar a decisão do STF. Essa é uma grande estratégia da mineradora para ficar impune da morte de 270 pessoas e por ter destruído toda bacia do Rio Paraopeba”.
Joelísia Feitosa, militante do MAB e também representante da Comissão dos Atingidos de Satélite em Juatuba, destaca que a decisão do STF causou um grande descontentamento entre toda a população atingida, diretamente ou indiretamente, pelo desastre.
“Nosso posicionamento é de grande indignação, pois são mil dias de impunidade, 270 vidas perdidas, a devastação da fauna, flora e nosso rio acabou. As pessoas perderam oportunidades com o desastre, a população ribeirinha do rio Paraopeba, que trabalhavam na agropecuária, turismo e agricultura perderam tudo. Muitas pessoas ainda não foram reparadas e o nosso temor é que essas manobras políticas que acabam por intervir nas decisões do judiciário, possam ocasionar a perda da reparação integral individual dos atingidos”, desabafa.
A militante ainda destacou que os atingidos esperam pela punição, para que as outras empresas que contém barragens com risco possam pôr fim às práticas que causam insegurança à vida da população. “É preciso que o crime seja punido e as vidas das pessoas atingidas sejam restauradas por completo. Tem muitas pessoas sofrendo com o desastre até hoje, tanto emocionalmente, quanto economicamente”, finaliza.
Sofrimento e Impunidade
Alexandra Andrade Gonçalves Costa também participou do protesto na porta do STJ. A presidenta da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum) afirma que as vítimas receberam a notícia com dor, tristeza e revolta. “Nós esperamos que eles revoguem essa decisão. Queremos que o crime seja julgado com júri popular em Brumadinho. E esperamos também celeridade no processo”, defende.
“Já são mil dias de impunidade, em que fomos traídos pela empresa Vale. Nossos entes queridos que foram assassinados pela empresa achavam que a Vale era responsável e nunca deixaria uma barragem romper daquela forma”, lamenta Alexandra. Ela relembra que oito vítimas ainda não foram encontradas.
Já Francisca Lindalva Caetano passou seu aniversário no protesto. Seu filho e seu sobrinho, ambos de 31 anos, foram vítimas fatais do rompimento. Eles trabalhavam em uma empresa terceirizada da Vale. “É uma dor que não passa”, disse dona Lindalva diversas vezes. “A Vale diz que preza tanto por segurança, mas os responsáveis pela barragem sabiam o que estava acontecendo e deixaram acontecer”, indigna-se. Pela ocasião do seu aniversário, dona Lindalva só tinha um desejo. “Eu pediria que meu filho estivesse aqui comigo”, salientou.