Neste domingo (21), o mundo não apenas comemora o Dia Mundial da Religião, mas também se dedica a refletir e agir contra a intransigência e desrespeito no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, uma data instituída em 2007 para homenagear a memória de Mãe Gilda. A ialorixá baiana Gildásia dos Santos e Santos, também conhecida como Mãe Gilda, teve uma trajetória marcada por ataques de religiosos intolerantes à sua fé. Segundo sua família, as constantes agressões físicas e verbais realizadas por membros de outras religiões, contribuíram para a deterioração da sua saúde. Em 2000, a religiosa sofreu um infarto fulminante e sua trágica história motivou a criação deste dia para reflexão sobre o respeito a todas as crenças.
A intolerância religiosa é um problema de todo o mundo que afeta comunidades de diferentes credos. No Brasil, um país conhecido por sua diversidade, a data assume uma relevância ainda maior. O país abriga uma multiplicidade de tradições religiosas, desde as mais tradicionais até aquelas de matriz afro, como o Candomblé e a Umbanda, que Mãe Gilda praticava.
Para marcar a data e entender a importância dela em Juatuba e Mateus Leme, a reportagem conversou com líderes religiosos dos municípios.
O professor de Ensino Religioso em Juatuba, Ivan Amorim, é um exemplo de como o respeito entre católicos e evangélicos foi construído ao longo dos anos. “Sou cristão, católico, mas gosto muito de visitar e ouvir a palavra de Deus em igrejas evangélicas conduzidas por pastores amigos”, conta.
Ele destaca que o combate à discriminação religiosa é uma das questões debatidas na escola e que sempre conversa com os alunos, ensinando a não se calarem diante de qualquer tipo de preconceito ou intolerância.
Afirmando ser necessário mais integração entre as religiões, Ivan Amorim salienta que entre aquelas de matriz cristã já existe o ecumenismo e a promoção de uma semana de oração para unidade dos cristãos onde ocorrem celebrações com a participação de padres e pastores. “Mas é preciso que haja a integração também de outras tradições, principalmente no Brasil que recebeu importante contribuição religiosa vinda da África. Ecumenismo e sincretismo são o caminho para o respeito mútuo”, reflete.
Vários caminhos para o mesmo Deus
O advogado e ex-secretário municipal e presidente da Aciaps, Marcus Júnior Diniz, sintetiza a necessidade dessa unificação de credos. Além de católico, ele também segue a doutrina espírita e frequenta cultos em igrejas evangélicas. “Acredito que não exista a religião ideal. Todos os ambientes que prezam pelo respeito, caridade e a aproximação de nossas vidas com Deus, são positivos”, diz.
Porém, enquanto as igrejas católicas e evangélicas trilham um caminho de aproximação e respeito, o mesmo está longe de acontecer com as religiões de matriz africana.
Wellington Soares, conhecido como Pai Tata Ximeango, do terreiro Bakise Mona Ixi Casa do Pai Jaraguá, em Mateus Leme, conta que além do preconceito, também foi alvo de calúnia, por meio de denúncia anônima que os acusava de tráfico de drogas. “Falaram que nossa casa era um ponto para comprar drogas, que traficávamos e estávamos fingindo de terreiro, mas éramos a casa do diabo”, relata.
O religioso fez um boletim de ocorrência, mas alega que as investigações não prosperaram devido às acusações terem sido realizadas pelo whatsapp que foi deletado posteriormente.
Apesar do preconceito, Pai Ximeango é consciente sobre seus direitos e não hesita em buscar a Justiça quando se sente desrespeitado. “Quando sofremos preconceito, oriento meus filhos de santo a me procurar primeiramente para nos defendermos legalmente pelas leis que nos protegem, por que a intolerância é crime”, diz.
Abertura para o diálogo
Frei Ismail Lisboa, da Paróquia São Sebastião, em Juatuba, enfatiza a disposição de promover o diálogo inter-religioso e ressalta que é necessário que todas as igrejas estejam abertas à discussão. “Para que isso aconteça é preciso primeiro que as religiões queiram; alguns grupos religiosos se fecham, não dão conta de conviver e dialogar. Temos muito o que fazer para que nossa sociedade religiosa consiga sentar, conversar e perceber a importância de construir um respeito mútuo”, diz.
Ações afirmativas de combate à intolerância religiosar
Com histórias diferentes, todos os entrevistados são unânimes em concordar que, enquanto celebramos o Dia Mundial da Religião, devemos lembrar que também temos o dever de combater a intolerância religiosa.
Frei Ismail e o advogado Marcus Junior destacam a educação como pilar essencial na construção de uma nova consciência. Enquanto Frei Ismail acredita ser necessário “falar de intolerância nas escolas e promover fórum sobre o tema”, Marcus Júnior afirrrma que “é essencial que as autoridades, principalmente as de níveis federais, instituam uma política de combate à intolerância religiosa no ambiente escolar, tendo como objetivo conscientizar e informar a comunidade sobre o caráter criminoso da intolerância religiosa”.
Para o professor Ivan, é necessário que o poder público articule ações que valorizem o encontro e o diálogo inter-religioso. “É preciso que as datas importantes para todas as manifestações religiosas sejam evidenciadas e valorizadas através da comunicação oficial e também com incentivos aos atos celebrativos de todas as religiões”, diz.
Enquanto os praticantes da fé cristã refletem sobre a construção do diálogo e ações afirmativas de conscientização do poder público, Pai Tata Ximeango, que alega já ter encontrado resistência até mesmo para exigir seus direitos, destaca a necessidade de conscientização dos agentes públicos. “Independentemente da religião de cada um, os direitos são iguais. Às vezes servidores públicos não nos atendem bem por que somos de outro credo”, desabafa.