Educadores e alunos denunciam precarização de escolas após municipalização

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Pouco mais de um ano após o “Mãos dadas” ser lançado pelo governo de Minas Gerais, professores, alunos e especialistas já denunciam os impactos negativos causados nos municípios que aderiram ao projeto.  Com a iniciativa, a gestão de Romeu Zema entregou aos municípios a responsabilidade da gestão dos anos iniciais do ensino fundamental.

Com a promessa de transferência de recursos do estado para reformas e construção de novas escolas, cidades como Mateus Leme e Juatuba, já aderiram ao programa. Porém, na avaliação de Denise Romano, coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais, o governo Zema opera uma estratégia de “muitas promessas e pouca transparência”.

“Os municípios estão sendo iludidos e enganados pelo governo do estado com uma falsa propaganda de que recursos inesgotáveis virão se o município assumir as matrículas do primeiro ao nono ano do ensino fundamental”, enfatiza. Denise também denuncia que a iniciativa tem o objetivo de desresponsabilizar o Estado da oferta do ensino fundamental e transferir aos municípios mais uma obrigação.

Em Minas Gerais, a prioridade dos municípios é a gestão do ensino infantil. Além disso, de acordo com o Plano Nacional de Educação, do Ministério da Educação, a meta é que pelo menos metade das crianças de cada município precisa estar matriculada nas escolas infantis.

Vídeo mostrando a realidade da Escola Elias Salomão é divulgado em Mateus Leme

Cansados da superlotação e da precarização da Escola Estadual Elias Salomão, alunos e professores de Mateus Leme viralizaram nas redes um vídeo de autoria do SindUte, que mostra a realidade da escola após a municipalização.

No vídeo, o Sind Ute afirma que desde maio de 2022, Mateus Leme vem sofrendo com os impactos da municipalização. De acordo com o sindicato, a Escola Estadual Elias Salomão está coabitada, ou seja, alunos da rede municipal e estadual estão estudando no mesmo local. Uma das integrantes do Sind Ute explica que os alunos têm ainda que sair da escola, percorrer “vários metros até chegar a um anexo, que é um Centro Poliesportivo”.

Professores alegam que municipalização está causando adoecimento de profissionais e superlotação das escolas

São inúmeros os relatos de profissionais que detalham as péssimas condições de trabalho que acabam causando adoecimento. Além disso, pessoas que trabalhavam há mais de cinco anos tiveram que buscar emprego em outras cidades, após a demissão de professores em massa. Segundo ainda educadores, as salas improvisadas, muitas vezes em anexos, “como no caso da Escola Elias Salomão, são precárias, contrariando a propaganda do Governo Estadual, de que a municipalização traria bons benefícios à comunidade”.

“Desde que ocorreu a municipalização, a nossa realidade tem sido adoecedora. Muitos profissionais perderam seus postos de trabalho e tiveram que procurar empregos em outras regiões. As ASBs por exemplo, estão sobrecarregadas, a biblioteca está sendo dividida com outros setores e não há espaço na escola. Em Mateus Leme, nós temos que utilizar um anexo que fica em outro quarteirão, tomando sol e chuva, nossa realidade tem sido cruel”, afirma professora que não quis se identificar.

Professora de Filosofia, Elizabeth Lemos, que mora em Mateus Leme, mas leciona no Joaquim Corrêa em Juatuba, afirma que é tão caótica a situação no ensino em Mateus Leme, que o prefeito até então já cassado, foi em certa ocasião notificado pelo Tribunal de Contas por estar usando verba da Educação na Saúde.

“Na verdade, essa questão da municipalização das escolas não passa de manobra política, com um intuito de enxugar a folha. Nós sabemos que Mateus Leme recebeu uma verba de R$85 milhões devido a municipalização, com a promessa de construção de creches e mais escolas, o que nunca houve e nem sabemos se acontecerá. Agora o prefeito enviou outro projeto de desmonte, querendo simplesmente abolir o cargo de Atendimento Educacional Especializado, uma função indispensável dentro das escolas”, relata professora.

Elizabeth denuncia ainda que a própria secretária de Educação do município abona o projeto de desmonte da pasta. “Esse incentivo e apoio dela levou vários servidores a terem que se deslocar de suas escolas de origem para outras”, finaliza.

“Falta de critério e de transparência”

Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a deputada estadual Beatriz Cerqueira, destaca que a quantidade de recursos enviados aos municípios não é proporcional à quantidade de alunos oriundos da rede estadual, absorvidos pela rede municipal. Isso, segundo ela, pode causar no futuro problemas financeiros para os municípios.

“O governo apresenta números lindos, alguns milhões, que são finitos. E depois, quem vai arcar com o custeio e com a manutenção dessas matrículas é o município. Eu não tenho dúvida de que os grandes prejudicados serão o município, a comunidade escolar e os profissionais da educação”, avalia.

Em audiência pública sobre o tema na Assembleia, a deputada Beatriz também criticou a falta de transparência e de participação da comunidade escolar no processo de adesão ao projeto. “Como você decide sobre a vida de uma comunidade escolar sem ela sequer ficar sabendo o que aconteceu? A escola é mais do que alguns milhões. Existe um processo pedagógico, um projeto e condições de acesso e de permanência”, enfatizou Beatriz. 

Em 2021, o governo destinou R$ 500 milhões para o programa. Porém, a distribuição do recurso aos municípios não segue nenhuma regra pré-estabelecida. Na avaliação da deputada, a iniciativa do governo estadual é “sem critério” e negocia o dinheiro público como se fosse privado. O motivo da crítica é o fato de que parte do recurso destinado aos municípios é do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) que, entre outros objetivos, deveria ser destinado à valorização dos profissionais da educação. “No ano passado, todo o projeto ‘Mãos dadas’ foi dinheiro do Fundeb. Aquele recurso que era para o reajuste do piso salarial da professora, o governo desviou para o projeto”, criticou.