Cerca de 250 mulheres atingidas pelo crime da Vale em Brumadinho realizaram o “II Encontro das Mulheres em Defesa da Vida”. A atividade teve como objetivo denunciar as violações sofridas pelas mulheres, mesmo passados cinco anos do crime. As denúncias e demandas foram apresentadas às Instituições de Justiça presentes no encontro, como o Ministério Público de Minas Gerais e a Defensoria Pública do estado.
Uma das principais preocupações das atingidas é com relação à saúde, tendo em vista que os rejeitos despejados na Bacia do Paraopeba após rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão permanecem até hoje no território.
Cinco anos após o rompimento da barragem, a Vale realizou a dragagem de apenas um terço da lama tóxica. Além disso, não há informações sobre a exposição e contaminação da população. “Eu moro na região há mais de 30 anos e nunca vi uma situação tão grave. Os médicos não conseguem diagnosticar. Há um número de óbitos e adoecimento muito alto, sobretudo de casos de câncer. Não tem água potável suficiente nem para beber, nem para usar”, relata Maria Santana Alves, moradora da cidade de São Joaquim de Bicas.
“Ainda não foi feito nada de reparação ambiental e isso nos apavora, porque nós, mulheres, não sabemos se vamos ter saúde suficiente para cuidar da nossa família diante disso tudo”, completa.
Como resposta à situação, as mulheres reivindicaram a aprovação da Política Estadual de Atenção à Saúde da População Atingida. A legislação prevê, entre outras garantias, a realização de procedimentos médicos específicos para a comunidade atingida – como exames, estudos e tratamentos sobre os efeitos de metais pesados no organismo – tudo teria o custeio garantido pela Vale S/A.
Sobre a demanda, a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais afirmou, por meio de nota enviada às mulheres do encontro, que em novembro será aprovado um protocolo de atendimento à saúde primária da população atingida, que será aplicado no SUS dos municípios atingidos. As atingidas, no entanto, veem com preocupação a aplicabilidade do protocolo sem uma política que cobre da Vale suas obrigações, como o custeio dos procedimentos, ou garantias para que o SUS tenha condições de colocar o protocolo em prática.
“Eu criei um filho saudável e forte. De repente, os dois rins dele secaram. Isso não é normal. Ele ficou um ano fazendo hemodiálise e morreu. O que essa água fez com o meu filho? Eu quero saber. Eu quero justiça para o meu filho!”, desabafou emocionada a atingida Cirlene de Oliveira, moradora de Juatuba, que recentemente perdeu o filho de 37 anos.
Além da saúde, as condições socioeconômicas da população atingida também foram pauta do encontro. As mulheres manifestaram seu desacordo com a decisão da Justiça em adiar o prazo para a execução dos projetos propostos no Anexo 1.1, única parte no acordo de reparação que prevê efetivamente a participação da população atingida.
Em junho deste ano, houve uma série de reuniões e uma assembleia com a participação de 250 pessoas, para a definição de como os recursos seriam aplicados. A análise que as Instituições de Justiça devem fazer sobre as propostas, porém, estava prevista para o início deste mês, mas só será liberada no fim de setembro, o que atrasa ainda mais a execução dos projetos.
“Foi uma proposta construída pelo povo e para o povo, para a auto sustentabilidade das famílias atingidas e agora estão vindo com decisões arbitrárias em cima do que foi construído pelos atingidos. Estamos muito preocupadas, sobretudo, nós mulheres, porque as consequências desse crime recaem mais gravemente sobre nós”, alerta Michelle Rocha, atingida da cidade de Betim.
Desigualdade de gênero
Ao fim do encontro, as mulheres atingidas encaminharam uma série de pautas e reivindicações sobre os temas levantados, como a necessidade da criação de uma peça jurídica para pleitear o reconhecimento das desigualdades de gênero praticadas contra as atingidas no processo reparatório do crime em Brumadinho, a exemplo do que ocorreu no caso da Bacia do Rio Doce, em decisão do dia 14 de agosto.
Atingidas pelo crime da Samarco, Vale e BHP, na Bacia do Rio Doce, pela mineradora ArcelorMittal, em Itatiaiuçu, e pelo lítio, no Vale do Jequitinhonha, também participaram do encontro.