Na manhã da última quinta-feira (5), um grupo de mães e pais de pessoas com deficiência, atendidas pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Juatuba, reuniram-se em frente à prefeitura para protestar contra a demora no repasse de uma emenda impositiva destinada à continuidade dos atendimentos na instituição. A verba, no valor de R$ 1 milhão, foi aprovada pela Câmara Municipal no orçamento participativo de 2023, mas até o momento, nenhuma parcela foi repassada, o que tem gerado uma série de problemas para que a APAE consiga prestar os serviços aos alunos.
A luta dos familiares
Diante da demora e da incerteza sobre o pagamento que, há nove meses compromete o progresso das terapias dos assistidos pela APAE, os familiares entraram na briga. Pais e outros responsáveis têm se mobilizado para denunciar o descaso da prefeitura em cumprir uma medida que é obrigatória, como é o caso da emenda impositiva.
Nislane Santana, dona de casa e moradora do Residencial Dona Francisca, é uma das lideranças desse movimento. Ela relata que desde abril, as famílias vêm buscando respostas sobre o repasse da verba, sem sucesso. Em maio, após o atraso do repasse da primeira parcela, ela denunciou a situação na tribuna da Câmara.
O caso foi amplamente repercutido e a prefeitura divulgou pelo Diário Oficial um chamamento para que as instituições entregassem a documentação para iniciar o processo para a formalização dos contratos para repasses. “Fizemos o procedimento assim que saiu a convocação, porém não saiu e, em agosto as mães nos cobraram novamente. Mas, para abrir o processo seletivo para a contração dos profissionais, precisamos ter o contrato assinado pela prefeitura para garantir esses recursos”, diz a técnica responsável pela APAE, Bruna Benevides.
Sem respostas, os familiares organizaram o protesto para o dia 14 de agosto. No entanto, Bruna conta que um dia antes, ela foi contatada pela prefeitura para que os familiares desistissem da manifestação, pois a administração estava providenciando os trâmites para a resolução do problema. “Ligaram informando que o contrato para o repasse estaria pronto para ser assinado ainda em agosto, com pagamento previsto para setembro. Pedi para que eles oficializassem essa informação, mas disseram que não havia necessidade”, revela.
No entanto, como nada foi formalizado, também nada foi cumprido e agora, ao serem novamente questionados, os representantes da prefeitura mudaram o discurso. Durante o protesto desta quinta, três mães se reuniram com o servidor identificado como José Márcio, que seria responsável por conversar com o grupo. Ao ser questionado sobre o documento que não foi assinado no prazo acordado, o funcionário negou a informação. “Ele afirmou que não havia mencionado essa data e que tudo seria resolvido em setembro, sem qualquer oficialização”, relata Nislane.
Segundo ela, José Márcio se recusou a permitir gravações da reunião e evitou formalizar qualquer compromisso por escrito, deixando as famílias sem qualquer documentação das promessas feitas.
Nislaine ressalta que a falta de formalização dos acordos tem sido o grande problema, já que todas as promessas sobre o pagamento são feitas apenas verbalmente. “Fica a nossa palavra contra a deles, pois pedimos por escrito e os representantes da prefeitura se recusam”, diz.
Diante do impasse, após o protesto, os familiares buscaram orientação junto ao Conselho Tutelar, que recomendou a elaboração de um relatório detalhado sobre a situação das listas de espera na APAE e o impacto que a falta de repasse das verbas tem causando, particularmente quanto ao atraso do desenvolvimento das crianças. Com esse documento, as famílias planejam acionar o Ministério Público para garantir que os direitos das pessoas com deficiência sejam respeitados. “Estamos fazendo o relatório, e amanhã mesmo vou entregá-lo”, afirma Nislane.
Impacto no atendimento
A APAE atende atualmente 279 pessoas com deficiência nas áreas de saúde, assistência social e educação, com uma equipe de 35 funcionários e um custo mensal de quase R$100 mil. O atraso no repasse da verba tem causado sérios prejuízos ao atendimento das crianças com deficiência que dependem da instituição.
Em 2022, a Câmara de Juatuba aprovou o repasse para que a APAE pudesse ampliar o atendimento clínico e oferecer novas terapias. Segundo Bruna Benevides, a APAE conseguiu zerar a fila de espera com os recursos disponíveis, contratando profissionais cujos contratos seriam até dezembro de 2023.
Novamente, a Câmara aprovou o repasse para 2024, mas desta vez, ele não foi pago. “Os pais sabiam que os profissionais iriam atender até dezembro, e que, caso o repasse fosse feito, iríamos contratá-los novamente para que as crianças não voltassem à fila de espera”, explica Bruna.
“Mas já faz nove meses que essas crianças, que haviam iniciado o atendimento, estão sem acompanhamento, pois não temos como pagar os profissionais sem o repasse”, explica.
Segundo ela, hoje cerca de 45 crianças esperam atendimento. A maior é demanda é da área de fonoaudiologia que, pela falta do repasse, há quase um ano é oferecido apenas em meio período, o que deixou 37 crianças aguardando uma vaga. Para o próximo ano, a lista deve aumentar e é essa é uma preocupação para as mães.
“Em 30 de agosto o contrato da psicopedagoga foi encerrado, interrompendo todos os atendimentos nessa área, o que vai agravar ainda mais a situação”, lamenta Nislane.
Bruna chama destaca que as pessoas assistidas pela instituição estão enfrentando atrasos no desenvolvimento, já que muitos progressos obtidos com os atendimentos anteriores não tiverem continuidade. “Quando uma criança com deficiência fica sem terapia por uma semana, já ocorre um retrocesso”, explica Bruna. “Esses nove meses sem atendimentos contínuos nos forçam a recomeçar do zero, e tudo o que foi alcançado ao longo de um ano de tratamento acaba perdido”, explica.
Descaso em Juatuba
Para as famílias e os profissionais da APAE, a situação atual revela o descaso do poder público em relação às pessoas com deficiência. Bruna chama a atenção para o descaso de políticas públicas que sempre deixam os direitos das pessoas PcDs em último lugar. Ela lembra que a saúde é um direito universal mas, para esse grupo de pessoas, os esforços dos governantes não têm sido suficientes para que sejam garantidos.
“A pessoa com deficiência não tem prioridade para nada, seja em mobilidade, acessibilidade e saúde”, critica Bruna. “A saúde é um direito de todos, independentemente da condição, e o SUS deveria garantir o acompanhamento. Aqui em Juatuba, o único local com estrutura completa para atender pessoas com deficiência é a APAE, e, mesmo assim, estamos sempre lutando para conseguir, ao menos, o mínimo necessário”, desabafa.
Para ela, a luta não é apenas por recursos, mas pelo respeito aos direitos das pessoas com deficiência, com iniciativas que proporcionem inclusão em todas as esferas da vida social, desde o acesso a terapias e cuidados adequados até o direito ao lazer e à socialização. “Nossa luta não é para brigar com ninguém. Estamos apenas tentando garantir que as crianças com deficiência recebam o que é de direito. Todo ano enfrentamos esses mesmos problemas com os repasses, mas continuamos lutando para que, pelo menos, o mínimo seja garantido.”