Um tempo atrás as pessoas tinham que exibir, ante uma abordagem policial, o documento que comprovasse que elas não eram “desocupadas”, que tinham um emprego com carteira e tudo. O RG ou carteira de identidade, e o CPF são comprovações da existência das pessoas e até mesmo de seu exercício de cidadão, pagadores de tributos ao erário público etc.
Agora, depois da pandemia da Covid-19, que virou o mundo de ponta-cabeça, o cartão de vacinas será o documento de maior valor, requisito para qualquer atividade social, como assumir a vaga de emprego, regularizar passaporte, matricular em instituições de ensino etc.
A atualização do cartão de vacinas indica que a pessoa está em dia com os imunizantes que garantem a proteção contra doenças, especialmente a Covid-19, de contágio tão intenso e responsável por elevados números de óbitos.
Entretanto, em que pese a gravidade da doença, ainda existe resistência por parte de muitas pessoas em se vacinarem. Os motivos são a falta de informação, as campanhas negativas protagonizadas por autoridades políticas e o descuido próprio de certas pessoas. Agora, a decisão de alguns empresários de usarem a vacinação como garantia da permanência no emprego, vem evidenciar a reputação da vacina.
Embora não haja obrigatoriedade legal em tomar a vacina, empresas têm avaliado o risco que um funcionário não vacinado pode representar para a empresa, influenciando no aumento do contágio e na sensação de insegurança dos demais funcionários no dia a dia do trabalho.
O empregador quer o direito de demitir por justa causa o funcionário que recusar a vacina, que não apresentar no tempo certo o cartão. Em alguns setores, como a Prefeitura e outros órgãos públicos, o cartão de vacinas é um dos documentos exigidos há muitos anos para contratação.
Recusa da vacina coloca em risco o grupo
A demissão por justa causa da funcionária de um hospital infantil que se recusou a tomar a vacina, em São Caetano do Sul, São Paulo, confirmou a possibilidade de decisão para essas situações. Tal providência se baseia na determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que permite a aplicação de medidas jurídicas àqueles que não tomarem a vacina.
A orientação do Ministério Público do Trabalho é para que as empresas invistam na conscientização e negociem com seus funcionários, mas o entendimento é de que a recusa individual e injustificada à imunização não poderá colocar em risco a saúde dos demais empregados.
Casos devem ser observados
De acordo com a professora de Direito Trabalhista da Universidade de Itaúna, Graciane Saliba, a recusa a tomar a vacina contra a Covid-19, simplesmente por convicções pessoais ou por liberdade, não pode ensejar, num primeiro momento, uma demissão com justa causa, sem que as condições sejam avaliadas.
As condições se referem ao risco que a recusa de tomar a vacina ocasionaria no ambiente da empresa. “O empregador tem o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, e instruir os empregados com as ordens de serviços e precauções no sentido de evitar acidentes do trabalho ou acidentes ocupacionais.
E é exatamente nessa obrigação que está a possibilidade de uma demissão por justa causa, pois a recusa de tomar a vacina pode aumentar os riscos de contaminação no ambiente, prejudicando a política sanitária e ambiental da empresa”, pontua.
Ainda de acordo com a especialista, o ideal, entretanto, não é aplicar imediatamente uma demissão justificada, e sim, após esclarecer para o empregado a política sanitária da empresa e a importância do profissional estar vacinado dentro do ambiente laboral.
Assim, aplicar uma advertência e estipular um prazo de 30 dias para o empregado se vacinar. Caso ele não o faça, e desde que a vacina esteja disponível para sua faixa etária, então aplicar a justa causa, pois pode estar aumentando as chances de contaminação e adoecimento na empresa.
“É Importante salientar que isso só pode ocorrer se os funcionários estiverem trabalhando no mesmo ambiente, caso estejam, por exemplo, em home office, não é possível uma demissão com justa causa pela recusa de vacinar, pois essa recusa não aumenta os riscos de contaminação no ambiente laboral, já que não está convivendo na empresa diretamente com os demais trabalhadores”, revela.
O empregador é responsável por preservar a saúde de seus colaboradores
A advogada Luiza Mendonça, também da área trabalhista, faz coro a fala da professora e reitera que todas as circunstâncias devem ser observadas pelo empregador, desde as atividades que o funcionário desempenha, aos acordos de trabalho firmados.
“Considerando que estamos avaliando um caso de saúde pública, a justa causa pode ser aplicada. Isso, independentemente se o colaborador alegar que a recusa de tomar a vacina é por motivo de ideologia política ou religiosa. A partir do momento em que o empregado resolve não se vacinar ele coloca todo o ambiente coletivo em risco.
Um exemplo, se tiver alguém do grupo de risco na empresa, a pessoa for contaminada e vier a falecer, a empresa pode responder por isso. O empregador tem o compromisso de preservar a saúde de todos os seus colaboradores no ambiente empresarial”, reitera.