Indígenas do Paraopeba cobram reparação da Vale 

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Engana-se quem pensa que em Minas Gerais não há aldeias indígenas. Muitos não sabem, mas algumas delas foram estabelecidas em 2017, a 27 km de Juatuba. Originárias das aldeias de Coroa Vermelha, Barra Velha, Pau Brasil, Monte Pascoal, Pedra Branca e Mata Medonha, todas no Sul da Bahia, aproximadamente 25 famílias migraram para São Joaquim de Bicas naquele ano.

O objetivo era encontrar um território onde pudessem se instalar e ter uma qualidade de vida melhor, com a possibilidade de vivenciar suas tradições distantes das crescentes violências urbanas – gradualmente mais comuns nas suas terras de origem. Na zona rural de São Joaquim de Bicas, a menos de 20 km da barragem do Córrego do Feijão, fundaram a aldeia de Naô Xohã.

O espaço ocupado à beira do Rio Paraopeba, distante dos centros urbanos e próximo da Mata Atlântica, era visto pelas famílias indígenas como uma chance de vivenciar a natureza de acordo com seus saberes ancestrais. Ali buscavam o sustento por meio da agricultura, da caça, do etnoturismo e do artesanato. Além disso, a proximidade com a mata possibilitava uma conexão com a terra, os animais e, especialmente, o sagrado Txopai, o rio. Era no Rio Paraopeba, a menos de 100 metros da aldeia, que os indígenas da Naô Xohã consumiam a água, buscavam o peixe das refeições e realizavam seus rituais.

Com o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, veio a impossibilidade de usufruir das águas da bacia. Na ocasião, a orientação do governo de Minas Gerais foi que a população “não fizesse uso da água bruta do Rio Paraopeba para qualquer finalidade até que a situação fosse normalizada”. A recomendação, que segue até os dias atuais, alterou a rotina da comunidade. Crianças e adultos ainda não podem usufruir da bacia do rio como era de costume e não receberam nenhum apoio da empresa ou tampouco do governo, continuando sem reparação, quatro após desastre.

Apesar de a aldeia ter sido evacuada um dia após a ruptura, os moradores de Naô Xohã decidiram permanecer no terreno onde estavam suas moradias. Atual liderança de Naô Xohã, o cacique Sucupira alega que a realocação proposta pela Vale não considerou o protocolo de consulta prévia à comunidade e determinava uma mudança para uma área muito menor do que o território que ocupavam. A gente tem o nosso costume de viver em reserva, em matas. Colocaram uma parte do pessoal em uma área que não tem mata, não tem uma nascente, um local muito pequeno, e eu como vice-cacique na época não aceitei”, revela.

A permanência na Naô Xohã era uma resistência importante para o grupo. Mesmo diante do cenário de incertezas sobre contaminação e outras consequências da longa exposição aos metais pesados encontrados nos rejeitos de minério, uma parte da comunidade optou por seguir no território. Hoje, os indígenas são obrigados a viver de programas de assistência governamentais e da venda de artesanato.

 “Como líder do povo que ficou na aldeia Naô Xohã, tenho a esperança de reconstruir. Nós temos nossos antepassados, os deuses e espíritos que nos orientam a reconstruir. Nunca vai ser que nem antes do rompimento, mas a gente vai se habituar”, enfatiza Sucupira.

Efeitos negativos

A contaminação na água e no solo da calha do rio traz a iminente possibilidade de que o solo da aldeia também esteja contaminado, considerando que as enchentes do Paraopeba também atingiram os roçados indígenas. Com isso, ficou inviável o plantio no território, causando grandes mudanças na saúde da comunidade. A alimentação, antes baseada no que era semeado e colhido ali, foi trocada pelo consumo de ultra processados e alimentos industrializados, que antes não faziam parte da rotina alimentar, especialmente das crianças.

O resultado é uma epidemia de diabetes que atinge grande parte dos indígenas da comunidade. “Antes, nós não tínhamos isso. Criança e adulto, tudo tem hoje. A gente não tinha o costume de comer nada ensacado, com agrotóxico. Nossa plantação não tinha nada disso. Depois do crime, a gente tem que ir no supermercado, comprar arroz, feijão, milho, mandioca. Tudo isso sai do nosso próprio bolso”, conta o cacique Sucupira, que relata que, além de diabetes, a aldeia também sofre com intoxicações, alergias, febres e problemas respiratórios causados pela presença do minério no rio.

À procura de um território

Sem uma alocação adequada provida pela mineradora Vale, algumas das famílias da aldeia Naô Xohã que não permaneceram no território acabaram se dispersando pela capital mineira, onde passaram a habitar em condições inadequadas. Hotéis, ginásios escolares e casas precárias na periferia de Belo Horizonte foram cenário de momentos complicados para parte da comunidade dos Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe.

Com um espaço restrito e um cotidiano bem diferente do vivenciado na aldeia, os indígenas sofreram com a mudança de rotina e com o preconceito por parte da sociedade. Quando estávamos na cidade, igual estava no Jardim Vitória, diziam ‘aqui não é seu lugar. Lugar de índio é lá no Amazonas’, ou então que lugar de índio é na floresta”, revela cacica.

Os relatos de preconceito eram constantes: quem foi provisoriamente para o aglomerado no Jardim Vitória era chamado de ‘índio urbano’ e tinha a ancestralidade questionada com frequência. “Eu via as falas racistas. Diziam que nunca viram índio de olho claro, com pele escura. A gente entrava no mercado, a segurança estava sempre seguindo a gente. A gente era muito constrangido nos ônibus, sempre passava muita vergonha por estar com nossos trajes”, relembra Angohó.

Em busca de soluções, as comunidades de Naô Xohã e Katurãma viabilizam sua sobrevivência por meio de doações e ajuda humanitária, uma vez que nem todos os grupos são contemplados pelo Termo de Ajuste Preliminar Emergencial firmado pela Vale. Em entrevista à um canal de televisão, os indígenas afirmam que continuarão na resistência, cobrando respeito, dignidade e reparo por parte da mineradora Vale. “Somos resistência, lugar de índio é em qualquer lugar, seja no norte ou no sul, somos a raiz do Brasil e exigimos essa reparação”, completou um dos indígenas entrevistados.