Moradores temem impactos com a construção de ramal ferroviário que liga Mateus Leme a Mário Campos

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A Agência Nacional de Transportes Terrestres aprovou através de portaria publicada esta semana, o credenciamento dos imóveis necessários para a construção do ramal ferroviário EF-A34, que será implantado pela Cedro Mineração.

A obra, que ligará a cidade ao município de Mário Campos, terá cerca de 30 quilômetros de extensão e capacidade para movimentar 25 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. O objetivo é facilitar o escoamento do minério de ferro extraído no distrito de Serra Azul, até a MRS.

O investimento de R$ 1,5 bilhão promete trazer desenvolvimento econômico para a região e contribuir para a redução do tráfego de carretas nas estradas, minimizando os riscos de acidentes e as emissões de carbono. Além de reduzir o congestionamento na BR-381, a expectativa é que o ramal ferroviário retire cerca de 5 mil caminhões por dia das vias, diminuindo a poluição em 40 mil toneladas de CO₂, anualmente.

No entanto, apesar dos benefícios econômicos e ambientais destacados pela empresa, os moradores da região estão preocupados. Com a autorização, a mineradora poderá promover desapropriações de imóveis no local. Além da incerteza sobre o destino de suas propriedades, a vizinhança questiona os impactos ambientais e qualidade de vida de quem conviverá ao lado da linha férrea.

Acordo justo

Por meio de material explicativo distribuído na comunidade, a empresa tentou tranquilizar os moradores ao afirmar que os impactos da ferrovia serão mínimos. “O projeto prevê as menores interferências possíveis em propriedades privadas, rurais e áreas povoadas, assim como em edificações públicas”, diz o documento.

Apesar da peça informativa, os moradores continuam relutantes. A principal queixa é a falta de informações claras e um diálogo transparente por parte da Cedro Mineração. Segundo relatos, representantes de empresas terceirizadas têm visitado propriedades desde outubro do ano passado, sem fornecer detalhes concretos sobre indenizações ou as condições exatas da desapropriação.

“A Cedro quer passar uma ferrovia bem em cima das nossas casas e por cima de nascentes. No meu caso, é ainda pior, porque eu trabalho com flores. Eu tenho 35 estufas produzindo aqui. Se a ferrovia passar, acaba com tudo: com minha casa, meu terreno, minha fonte de renda”, desabafou um produtor da região.

Outro morador relata que teve que interromper a construção de sua casa devido à incerteza sobre a obra. “Eu parei a construção porque não sei se a ferrovia vai passar aqui. Não sei se continuo gastando, se invisto na minha casa ou não. A situação é muito preocupante”, afirma.

O sentimento de incerteza é compartilhado por muitos. “Não falaram sobre indenização, aliás até hoje não sabemos nada ao certo”, diz um produtor indignado. Outro morador afirma que, até o momento, somente um encontro foi realizado com a comunidade. “A única reunião oficial aconteceu só agora, em 22 de fevereiro, ou seja, quase seis meses depois de começarem a entrar nas nossas terras”, explica.

Impacto ambiental

Apesar da redução de carbono proposta pelo projeto que impacta na redução de veículos em rodovias, os moradores temem que o projeto possa causar danos ambientais na região.

A localidade tem várias nascentes, brejos e áreas de pastagem que podem ser comprometidas pelo empreendimento. Pequenos produtores agrícolas e pecuaristas temem as consequências da obra para suas atividades.

“Gado não come capim cheio de poeira. O minério transportado não é embalado, então vai gerar muita poeira. Isso vai afetar o solo, os pastos, a água. Além disso, imagine o barulho de um trem passando com 32 vagões, cinco a dez vezes por dia. Como vamos sobreviver?” questiona.

Além dos impactos ambientais e econômicos, a preocupação com a qualidade de vida das famílias que vivem próximas ao traçado da ferrovia também é grande. “A Cedro teria que comprar o Alto da Boa Vista inteiro, porque ninguém vai conseguir viver ao lado da linha férrea com essa movimentação toda”, argumenta.

Para algumas famílias, suas propriedades representam o trabalho de toda uma vida, sendo fonte de renda e sustento.

“Eu não tenho interesse nenhum em vender o meu terreno. Vivo do que produzo aqui, e não sei fazer outra coisa. Para onde eu vou? O que eu vou fazer depois? Muitas pessoas aqui pensam da mesma forma”, diz um dos produtores afetados.

A ambientalista e Mestre em Ecologia, Ana Flávia Melo, reforça a preocupação com os impactos do projeto.  “Muitos moradores estão desesperados, com medo de perder suas moradias, suas lavouras e sua água”, enfatiza.

Ela defende a abertura de diálogo com a comunidade, órgão e entidades representativas. “No momento em que vivemos, não podemos nos dar ao luxo de destruir nascentes em prol do escoamento de minério. É urgente que seja realizada uma audiência pública para tratar do tema, ouvindo todos os envolvidos, principalmente os moradores que podem perder suas casas e seu sustento, além de órgãos ambientais especializados, como o IGAM”, destaca.

Ter voz e participar da decisão que pode impactar diretamente suas vidas, é o principal desejo da comunidade. “A gente quer ser ouvido. Não somos contra o desenvolvimento, mas queremos respeito. Queremos que a empresa dialogue com a população e que os impactos sejam minimizados”, enfatiza um dos produtores da região.

A reportagem entrou em contato com a Cedro Participações, por telefone, para um posicionamento sobre as preocupações levantadas pelos moradores, mas não obteve retorno. Enviamos um email para mais esclarecimentos, mas até o fechamento da edição não obtivemos resposta.