Sete perguntas para Joceli Andrioli da Coordenação do MAB

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Nascido em Itá, Santa Catarina, Joceli Andrioli, 42 anos, é filho dos agricultores Geni Augusto e Lori de Fátima Andrioli. Agente de Desenvolvimento Rural, Técnico em Agropecuária e especialista em Pedagogia da Terra, Joceli é atualmente um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens. Desde criança atua nos movimentos sociais, uma vez que sua família foi atingida pela implantação da hidrelétrica de Itá. Andrioli atua a favor dos atingidos por barragens em todo o país e, atualmente, coordena os trabalhos em Minas Gerais, depois do rompimento das barragens da Samarco em Mariana e da Vale em Brumadinho.  

1. Como nasceu o MAB? Quais são seus objetivos imediatos? Temos ouvido muitas lideranças afirmarem que o dinheiro do acordo de indenização da Vale está sujo de sangue. O que pode ser feito para que ele minimize os efeitos da tragédia?

Ajudamos nessa luta desde 2005 em diversas regiões de Minas Gerais. O MAB é um movimento popular, conhecido hoje internacionalmente, pela luta que faz em defesa das pessoas atingidas por barragens, questionando o atual modelo energético e minerário das grandes multinacionais que dominam o setor.

O MAB faz uma crítica contundente a esse modelo, lutando pela construção de um projeto energético popular para o Brasil, além da defesa concreta do direito da vida dos atingidos por barragens. O movimento está presente também no exterior em uma articulação que chama MAR-Movimento dos Afetados por Represas, com grande foco na América Latina, integrando mais de 12 países. O acordo realmente está sujo de sangue, pois não houve participação dos atingidos, como sujeitos principais na negociação de indenizações. Simplesmente, o governo do Estado e a Vale fizeram o acordo e isso rendeu um prejuízo grande aos atingidos.

As instituições de justiça que representaram os atingidos no processo, ficaram subordinadas à lógica dessa negociação, pois boa parte desses recursos não se destinou de forma coletiva, como o previsto no início das conversas. O MAB sempre fez pressão em frente ao Tribunal de Justiça, em todas as negociações, de forma que o acordo não ocorresse sem que os atingidos tivessem voz ativa durante o processo, mas infelizmente, ele foi consolidado.

Tendo em vista o acordo firmado, o MAB e os partidos PT e PSOL, entraram com uma ação conjunta no Supremo Tribunal Federal, contestando que o acordo estaria ferindo a constituição. Essa ação contesta a legitimidade e legalidade do pacto, pedindo que as ações previstas aos atingidos fossem solucionadas o mais rápido possível, mas que fosse aberta a participação dos atingidos, garantindo assim a justiça.

2. Resumidamente, como foi conduzido o acordo com a Vale até se chegar ao valor de R$ 37 bilhões? E como serão investidos estes recursos?

O MAB vem atuando fortemente na defesa dos atingidos, visando a organização e a mobilização deles, em relação aos crimes, especialmente cometidos em Mariana e Brumadinho. Essa anuência promovida pelo judiciário às empresas e o Governo de Minas, teve como base a negociação de uma ação civil pública e do estado que reivindicavam juntas mais de R$54 bilhões.

Houve então uma negociata promovida pelos órgãos públicos, por apenas R$37 bilhões, sendo que desse valor, apenas R$26 bilhões serão de valor novo, pois boa parte dessa quantia já estava comprometida com programas que a Vale vinha assumindo frente às negociações extrajudiciais, no âmbito da Justiça de Minas Gerais.

3. Qual a participação do MAB no acordo e na definição das áreas que receberão o dinheiro?

Desde o momento em que o movimento soube que vinha sendo realizado um acordo a portas fechadas, mobilizamos os atingidos e pressionamos as instituições de justiça e o próprio Governo de Minas, exigindo a colocação em pauta de dois temas fundamentais:  um deles é o programa de pagamento emergencial que os atingidos vêm recebendo mensalmente, que foi acatado nas negociações devido a muita pressão externa.

Parte do acordo contempla R$4,4 bilhões a esse auxílio e a previsão do pagamento é durar em torno de quatro anos. Outro ponto conquistado pelo MAB foi o valor de R$3 bilhões, desse montante, R$2 bilhões serão investidos em projetos coletivos e ainda serão discutidos as aplicações e governança dos recursos. Já R$1 bilhão será distribuído através de créditos e microcréditos que ainda será discutido com os atingidos em um momento posterior. Devo destacar também um terceiro ponto, que é a garantia das assessorias técnicas em toda a bacia do Rio Paraopeba, oferecendo a condição da luta pelo direito dos atingidos.

A grande parte do dinheiro ficou sob controle do Estado, sendo R$11 bilhões que está agora sob responsabilidade da Assembleia Legislativa. A outra parte do valor está sendo negociada através de tratativas direto com a Vale, que realizará projetos de políticas públicas em todos os municípios, sendo esta uma rubrica de R$2,5 bilhões. Ainda não sabemos se todos os projetos destacados serão implementados, assim esperamos e continuamos na luta por essa concretização.

Um exemplo lamentável das tratativas, é o caso onde a Vale vai coordenar a aplicação de R$1,5 bilhão, fazendo os projetos que escolher em Brumadinho. Essa é uma forma do criminoso se manter forte e atuante no território, controlando e calando a boca de muita gente, continuando o jogo de exploração e lucrando, como vem fazendo nos últimos tempos.

4. O governo do Estado enviou um projeto de lei à Assembleia acerca da utilização desses recursos. Porque ele ainda não foi votado? Muitos acusam o presidente da Casa, Agostinho Patrus, de travar a pauta. O que de fato está acontecendo?

O Governo colocou esses R$11 bilhões como crédito suplementar, e para isso a Assembleia precisa aprovar. Esse PL é tão escandaloso, que os deputados travaram a pauta para tentar modificar a disposição dos recursos. Ele prevê gastar R$3,5 bilhões desse acordo com a construção de um novo anel rodoviário na Região Metropolitana de BH. Acreditamos ser um absurdo, pois dentro dessa proposta existe a previsão de gasto de mais R$1,5 bilhões com a iniciativa privada.

A empresa que realizaria a obra, teria a premissa de implementar pedágios em toda a extensão do rodoanel, que pode ser dez vezes mais caro que o cobrado usualmente em diversas rodovias. A empresa que assumir a obra, que também será responsável pelos pedágios, prevê uma receita de R$6,8 bilhões, em 30 anos de concessão.

Na verdade, estão mesmo é fazendo desse acordo um grande negócio, e isso tudo sairá do próprio bolso da população mineira. Cada centavo gasto na obra, será pago por nós mesmos, em suaves prestações, e o mais extraordinário é que o lucro ficará para a própria empresa. Não há benefício algum nessa negociata do governador. Outra segunda grande rubrica, que é escandalosa, prevê melhorias de políticas públicas no estado, como o término de hospitais regionais, pontes, iluminação da cidade administrativa e até um plano de desenvolvimento para as mineradoras.

Desse recurso, a Assembleia questionou e conseguiu negociar que R$1,5 bilhões, dos mais de R$4 bilhões, fossem direcionados aos municípios. Essa pauta já é legitima, mas é insuficiente, pois não resolve o problema do projeto. Esperamos que os deputados não votem a questão específica do Rodoanel, mas que liberem os recursos aos municípios e aprovem os projetos de políticas públicas sociais.

5. A forma como o governo vai direcionar os recursos do acordo com a Vale agrada ao MAB? Por que?

A construção do rodoanel é um crime que será cometido debaixo do nosso próprio nariz, pois haverá a devastação de várias nascentes e o acesso à água pela população será prejudicado. Se intensificará também, um processo de exploração minerária com um impacto ambiental inacreditável. Além disso, milhares de pessoas serão retiradas forçadamente de suas propriedades. Isso não vai trazer benefícios para a população mineira, vai retirar dinheiro do povo e causar uma catástrofe social e ambiental indiscutível.

6. Qual a expectativa para a votação deste projeto e para que a população seja, de fato, beneficiada com os recursos deste acordo?

Esperamos que esse projeto não seja votado. Estamos cobrando do governo um plebiscito em Minas, de forma que a população seja consultada se deseja o rodoanel, ou o recurso aplicado em políticas públicas sociais como geração de emprego e renda, habitação e desenvolvimento social. Queremos simplesmente que o dinheiro seja usado em benefício da população e não da inciativa privada. É importante explicarmos, que o projeto implementado em Juatuba não tem relação com o PL que tramita na Assembleia Legislativa. O que tramita na ALMG é especificamente para a indenização do estado, que teve a recentemente aprovação da PEC, que oferece aos mais de 800 municípios o direito à parte desse recurso.

A grande luta é que desse valor do estado, não seja retirado nenhum centavo de direito dos atingidos. São questionáveis algumas rubricas propostas até o momento. Um exemplo são os R$100 milhões de apoio exigidos pela Seplag, que nós achamos um absurdo. A suspeita inicial é que esse recurso pode estar vinculado a um acordo para o pagamento das assessorias técnicas. Nós inclusive, já entramos com uma medida no Ministério Público pedindo a investigação desses recursos. Não é o governador, através do seu interesse eleitoral, que deve decidir o que vai ser construído com esse dinheiro. A população mineira precisa ser ouvida e ter voz ativa e o mais justo seria o plebiscito.

7. Particularmente, o que a população de Juatuba pode esperar deste acordo? Como ela será beneficiada, tanto a cidade em geral como aqueles que foram diretamente atingidos pela tragédia?

A população de Juatuba terá o direito às políticas públicas que serão implementadas no município. Eles já foram ouvidos pelas assessorias técnicas, que entregaram à Vale os variados projetos. Esperamos que os juatubenses consigam escolher bons projetos para retomada e o desenvolvimento da cidade. A novidade é referente ao pagamento de renda mensal que será ampliado para outras comunidades do entorno, não somente os atingidos que estão apenas a um km da região atingida, no caso do rio Paraopeba. Outra questão que está sendo avaliada pelas assessorias técnicas é referente à indenização individual de cada afetado, que está sendo tratada na justiça. O povo de Juatuba precisa se organizar e ficar atento, pois muita gente tem direito à indenização individual.

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