Pesquisas mostram impactos do rompimento da barragem da Vale nos serviços públicos de saúde e assistência social

Estudos do Comitê Técnico Científico poderão apoiar as decisões do juiz no processo de reparação dos danos nos municípios da bacia do rio Paraopeba

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O Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais divulgou resultados de estudos que analisaram os impactos que o rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão causou nos serviços públicos de saúde e assistência social em 19 dos 26 municípios atingidos em Minas Gerais.

O CTC é o órgão responsável pela produção de dados científicos e independentes que poderão apoiar as decisões do juiz no processo de reparação dos danos. Dos 67 subprojetos estabelecidos pelo juiz, 15 já tiveram suas pesquisas finalizadas e publicadas nos autos dos processos judiciais.  Entre os subprojetos com resultados publicados estão aqueles que analisaram os impactos do rompimento nos serviços públicos de saúde e assistência social dos municípios atingidos.

Além de Juatuba e Florestal, foram incluídos nessas pesquisas apenas mais 17 municípios que eram considerados como atingidos na época do estabelecimento do termo de cooperação técnica com a UFMG. Dentre eles estão a cidade central do desastre, Brumadinho e também os municípios de Betim, Curvelo, Esmeraldas, Fortuna de Minas, Igarapé, Maravilhas, Mário Campos, Martinho Campos, Papagaios, Pará de Minas, Paraopeba, Pequi, Pompéu, São Joaquim de Bicas, São José da Varginha e Sarzedo.

Impactos nos serviços de saúde

O estudo teve como objetivo identificar, caracterizar e avaliar os efeitos do rompimento da barragem da Vale nos serviços de saúde, considerando a utilização de equipamentos, infraestrutura, recursos humanos e despesas orçamentárias de cada município. Foram utilizados dados secundários registrados nos sistemas oficiais de informações entre 2010 e 2020. Foram realizadas também entrevistas com gestores de saúde de Brumadinho, Curvelo, Florestal, Igarapé, Mário Campos, Martinho Campos, Paraopeba, Pompéu e São Joaquim de Bicas, entre maio e setembro de 2021, e levantamentos de informações sobre recursos destinados aos municípios no site da Vale.

Observou-se ampliação dos leitos hospitalares e dos equipamentos de diagnósticos por imagem, especialmente em Betim, e ampliação de equipamentos de odontologia em Curvelo, Juatuba, Martinho Campos e Sarzedo. Entretanto, os pesquisadores do CTC/UFMG afirmam que esses aumentos são decorrentes de uma tendência histórica de ampliação. O CTC destaca, ainda, a implantação de duas equipes de saúde da família em Brumadinho após o rompimento e aumento do número de profissionais no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em Brumadinho, Pará de Minas e Pompéu.

Foi identificado também, um aumento das internações hospitalares por causas infecto-parasitárias no primeiro semestre de 2019, mas os pesquisadores dizem que está relacionada à epidemia de dengue. Desconsiderou-se, no entanto, que a dengue é uma doença que pode aumentar após rompimento de barragem.  Observou-se também aumentos nos procedimentos em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), especialmente em Betim, Brumadinho e Pompéu, situação que também foi citada pelos gestores entrevistados.

A pesquisa considera também um aumento na mortalidade em todos os municípios. As causas da mortalidade mais identificadas foram:  cardiológicas, hipertensão arterial, AVC, diabetes mellitus, infecção do trato urinário, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças infecto-parasitárias e por doenças mentais. Sobre as doenças de notificação obrigatória, os pesquisadores não informam detalhadamente os resultados, apenas afirmam que houve algumas variações, mas que é difícil relacionar com o rompimento. Sugere-se, ainda, que não houve alteração nos fluxos de envio e recebimento de pacientes entre os municípios.

Aumento da procura

O estudo identificou um aumento na demanda em saúde mental, tanto por causa do estresse gerado pelo rompimento, incluindo o medo, as perdas, como também pelo comprometimento de atividades geradoras de renda de populações ribeirinhas, impedidas de utilizar a água do Rio Paraopeba. Também houve um aumento na demanda por atendimento de pessoas com outras condições de saúde, como diarreia e problemas gastrointestinais e dermatológicos, relacionados à má qualidade da água ou fornecimento insuficiente de água de boa qualidade para a população, bem como infecções de vias aéreas, cistites e outras infecções. Aumento na demanda por atendimento de outros profissionais nos postos de saúde, além do atendimento médico. E aumento na demanda de exames laboratoriais e consultas com especialistas da atenção em saúde de média e alta complexidade.

Foi identificado também o aumento no número de recursos administrativos para cadastramento de residentes exigido para a obtenção de indenizações, realizado em especial pelos agentes comunitários de saúde. Dificuldades no atendimento às comunidades quilombolas e falta de integração entre o Sistema Único de Saúde (SUS) municipal e o Programa de Saúde Indígena.

Destaca-se ainda que, apesar do aumento da demanda, houve dificuldade de aumentar a oferta de serviços e de profissionais e também de responder à pressão por assistência à saúde nas comunidades mais distantes da sede do município.

Apesar dos resultados acima mencionados, os pesquisadores da UFMG enfatizam, em suas conclusões e recomendações, apenas a situação de saúde enfrentada por Brumadinho. Com relação aos outros 18 municípios estudados, eles informam que os resultados da análise (tanto dos dados secundários como das entrevistas) sugerem que não houve impacto na saúde dos municípios que possam ser diretamente atribuídos às consequências do rompimento da barragem.

A UFMG informa, ainda, que os gestores não perceberam alteração no padrão de saúde, com algumas exceções relacionadas ao uso da água (diarreia, condições dermatológicas, dentre outras). Os pesquisadores enfatizam apenas a sobrecarga dos Agentes Comunitários em Saúde (ACS) no cadastramento das populações potencialmente atingidas com o rompimento da barragem.

Impacto nos serviços de proteção social

Foram analisados os serviços e benefícios da Proteção Social Básica e da Proteção Social Especial, nos períodos anterior (2014-2018) e imediatamente posterior (2019-2020) ao rompimento. A perícia concluiu que houve impacto do rompimento da barragem da Vale sobre os serviços e as despesas socioassistenciais dos municípios atingidos, com variações entre eles, principalmente se considerados o porte e a proximidade com o local do rompimento da barragem. 

Os municípios atingidos pesquisados tiveram que aumentar o número de profissionais vinculados diretamente à assistência social nos Centros de Referência da Assistência Social. Mas esse reforço não foi acompanhado de estrutura física, o que pode ter alterado o padrão de qualidade do atendimento.

Houve impacto do rompimento da barragem da Vale na demanda por serviços, pois foi observado crescimento do número médio de famílias acompanhadas pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), além de aumento de atividades coletivas, especialmente com crianças. Esse impacto foi ainda mais intenso em Brumadinho. Esses resultados podem ser interpretados como um aumento na pressão sobre os CRAS nos municípios atingidos.

Houve impacto nos povos e comunidades tradicionais, e esse impacto permaneceu meses após o rompimento da barragem devido à impossibilidade de manutenção de atividades de subsistência, principalmente com impacto na segurança alimentar, seguido da geração de renda e sofrimento psicossocial. E também teve um aumento nas demandas por benefícios eventuais, especialmente por cestas básicas de alimentos, logo após o rompimento da barragem da Vale, intensificadas pela pandemia da Covid-19.

Ainda segundo estudos do CTC/UFMG, não foi possível mensurar o impacto do rompimento da barragem da Vale na maioria dos indicadores da Proteção Social Especial em razão das limitações dos dados disponíveis. Entretanto, foi possível identificar aumento crescente em algumas situações de desproteção social, como aumento de violência contra a mulher, especialmente em Pompéu. Além disso, houve aumento de alguns serviços, incluindo atendimentos individuais e visitas domiciliares.

Foi observado aumento de cerca de 30% nos gastos per capita com assistência social, com impacto mais significativo em Brumadinho.  Aumento de repasses federais para assistência social em 2019, mas redução em 2020. Como as despesas com assistência social não diminuíram em 2020, a diminuição dos repasses federais representam aumento nas despesas municipais.  

Medidas de mitigação e reparação de danos

A pesquisa mostra também as medidas executadas pela Vale, por decisão judicial, relacionadas à proteção socioassistencial, abarcaram tanto acolhida psicossocial como auxílio financeiro. Contudo, essas medidas tiveram alcance mais significativo em Brumadinho e não foi possível neste estudo avaliar os efeitos nos demais municípios atingidos pelo desastre-crime.

Houve medidas de apoio da Vale à gestão municipal da assistência social (contratação de profissionais, aquisição de equipamentos etc.), com destaque para Brumadinho, também conforme definido pela Justiça. No entanto, os demais municípios não relatam apoio na mesma intensidade; a maioria fala da ausência mais do que da insuficiência. Houve pouca participação do Governo de Minas no desenvolvimento de medidas de mitigação e reparação relacionadas à assistência social. Suas ações tiveram como foco as medidas emergenciais e o apoio à gestão municipal da área logo após o rompimento da barragem da Vale.

As medidas previstas no Acordo Judicial abriram a possibilidade de recursos financeiros aos municípios atingidos no curto prazo, mas dependerá das disputas entre outras áreas de políticas públicas municipais, assim não estão garantidos recursos para melhorias da proteção socioassistencial dos municípios atingidos.

Por fim, os pesquisadores do CTC/UFMG, que atuam como peritos do juiz do caso Brumadinho, recomendaram uma série de medidas para o fortalecimento da proteção socioassistencial ofertada pelos municípios atingidos. Dentre elas estão medidas relacionadas a recursos financeiros, como capacitação dos trabalhadores e gestores municipais, estabelecimento de redes com outros órgãos governamentais e diagnóstico socioterritorial participativo para mapeamento atualizado das principais situações de riscos e vulnerabilidades sociais. E também medidas relacionadas a potencialidades presentes nos territórios para o fortalecimento da participação comunitária na gestão das políticas de assistência social.

O CTC/UFMG ainda pretende desenvolver pesquisas em todas as cidades da região sobre os danos relacionados ao Meio Ambiente, Saúde e Socioeconomia.