Terreiro de Candomblé e Umbanda é registrado como Associação cultural de Matriz Africana

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Após 10 anos de funcionamento em Mateus leme, o grupo de Candomblé e Umbanda Bakise Mona Ixi, antiga Casa do Pai Jaraguá, conseguiu registrar uma Associação cultural e tradicional de Matriz Africana no município. A Associação Cultural Bakise Mona Ixi, Casa dos filhos da terra, está localizada na rua Bélgica, 302, Jardim Mangabeiras. E para contar um pouco da história do grupo religioso e sobre o trajeto percorrido até o registro da Associação, o Jornal de Juatuba e Mateus Leme entrevistou o líder espiritual e Pai de Santo, Wellington Luiz de Castro Soares, de nome sacerdotal Tata Ximeango.

JML- Fale um pouco sobre o terreiro de Candomblé e Umbanda Bakise Mona Ixi de Mateus Leme. Quem foram os percursores dessa tradição religiosa no município?  O que o registro da Associação representa para os líderes do terreiro e também aos fiéis? Como o terreiro se mantém? Em média, há quantas pessoas em comunhão no terreiro?

Tata Ximeango – Em 13 de outubro de 2013, a casa começou a funcionar como terreiro de Umbanda e em 2021 passou a funcionar também como terreiro de Candomblé. A partir de 2021, o Terreiro Casa do Pai Jaraguá passou a se chamar Bakise Mona Ixi. A tradição de Matriz Africana, como no Candomblé, chegou em Mateus Leme há 27 anos, com o Tat’etu Arabomi, que trouxe sua Casa de Candomblé para a cidade. Agora, no dia 4 de abril, o terreiro foi registrado juridicamente e a importância deste registro é assegurar a existência do movimento na cidade e também os direitos que os povos de Matriz Africana têm no contexto comunitário. O terreiro hoje se mantém com a colaboração dos associados, do pai de santo, dos filhos de santo e dos fiéis, que geralmente procuram um terreiro para auxiliar com problemas espirituais. O Bakise Mona Ixi faz encontros semanais com a presença de cerca de 35 pessoas.

JML- Qual é sua ascendência no candomblé? E do ponto de vista da iniciação, como foi sua história para entrar no candomblé? Qual o seu percurso e ligações afro descendentes desde sua iniciação religiosa? Para você, o que é o Candomblé e a Umbanda?

Tata Ximeango – Eu nasci em 1.993 em uma família que já tem história em comunidades tradicionais; com 16 anos eu abracei e aceitei minha ancestralidade e entrei para o Candomblé e a Umbanda. Passei pela casa da minha tia que toca ketu, que fica localizada na cidade de Buritizeiro. Depois me mudei para Belo Horizonte e fiquei por alguns anos no terreiro de Jejé. Mas há 10 anos, eu conheci o meu Pai de Santo, Tat’etu Arabomi, dirigente do terreiro de Candomblé Bakise Bantu Kasanje. Hoje sou o Tata Ximeango, Pai de Santo, do Bakise Mona Ixi e casa do Boiadeiro Pai Jaraguá, onde celebro os ensinamentos dos meus antepassados. O Candomblé e a Umbanda representam para mim a união entre nós e os nossos ancestrais.

JML- Como tem sido para você, exercer o cargo de pai de santo em uma cidade do interior? O que foi mais difícil de vivenciar durante a sua trajetória? Algum fato, seja do candomblé ou da sociedade em geral, lhe impactou?

Tata Ximeango – Mesmo Mateus Leme sendo uma cidade do interior, eu fui bem recebido quando me mudei. Como todo lugar onde existem pessoas, existe também o preconceito, o racismo, a homofobia e a intolerância religiosa. Em Mateus Leme também existe, mas graças a Exu, Tat’etu KAVUNGO a todos os Nkises e a Nzambe, não sofri nenhum tipo de ameaça ou nenhuma forma de preconceito que me fizesse temer morar e viver nessa cidade. Pelo contrário, fui bem recebido, hoje faço parte e sou conhecido em todo município. O pai de santo, como qualquer outra pessoa, passa por momentos difíceis, mas o Candomblé é uma família muito unida, e essa união ameniza as dificuldades. Por isso, sempre chegamos a uma solução mais rápida para os problemas. De um modo geral, o que me deixou perplexo positivamente, foi a demonstração de carinho à nós neste ano: na época do carnaval, nossa Casa foi para a rua com um bloco, para representar nossa ancestralidade, e fomos recebidos de braços abertos pela cidade. Por mais que tivesse ali alguém com intolerância religiosa, preconceito ou racismo, não teve espaço para expressar seus preconceitos, já que brilhamos e conseguimos levar alegria aos foliões durante o carnaval da cidade. Foi muito bonito e emocionante ver todas as pessoas vibrando com nossa energia espiritual, sejam elas de qualquer credo religioso.

JML- Como você compreende a figura de Exu no Candomblé e na Umbanda? Como desmistificar o pré-conceito e a intolerância religiosa, combatendo a ideia de que o Candomblé e a Umbanda são do mal? O que diz às pessoas que acham que a religiosidade praticada por vocês seria tida como “macumba”?

Tata Ximeango – Para mim, Exu tanto no Candomblé quanto na Umbanda significa tudo em cima da terra, porque Exu é a comunicação entre os seres humanos o lado material espiritual. Exu é o próprio caminho onde passamos, a própria situação que vivemos. A figura de Exu está ligada à nossa sexualidade, ao nosso suor e a nossa comunicação entre seres humanos. Exu é originário da Umbanda porque no Candomblé se cultua Nzila Nkise, que dá força para Exu nos ajudar. Resumidamente, Exu caminha nos caminhos de Nzila.

JML- Há algumas coisas em relação à tecnologia moderna que o candomblé ainda resiste. As casas tradicionais não permitem gravar, filmar, fotografar e etc. Como é na Casa de Mateus Leme?

Tata Ximeango – Eu concordo em manter uma tradição de que as pessoas não devem gravar, filmar e fotografar os fundamentos e situações internas. Mas quanto ao festejo, ao culto externo aberto ao público, eu não vejo nenhum tipo de problema em tirar fotos, encher o mar e gravar. Esse costume de não ter fotografias e não poder divulgar, nas casas tradicionais mais antigas, era pelo fato do preconceito, da intolerância religiosa, que infelizmente era sofrida por todos os negros e por todos que decidissem participar do terreiro. Hoje, nós temos força e sabemos que a prática do nosso culto, da nossa religião está enraizada na nossa pele, no nosso alimento, na nossa fala. Nossa cultura resiste e vive a África; somos ascendentes e descendente de povos negros que foram escravizados, por isso, na minha casa eu permito que tirem fotos e que façam gravações. Fazemos isso aqui para não ficarmos mais escondidos. Chega de ficar escondido, chega de ter medo. Nós temos o nosso espaço e vamos ocupá-lo. E se você tem algum receio de sofrer algum tipo de intolerância religiosa e não participa de nossas tradições, saiba que sem luta não há a extinção da prática que se perpetua há tantos anos. Venha fazer parte dessa corrente do bem e fazer parte dos filhos da terra.