Recentemente, diversas lideranças religiosas de Matriz Africana dos municípios de Juatuba, Betim, Igarapé, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e Mateus Leme se encontraram em um simpósio para debater e apresentar um Protocolo de Consulta e referência voltado aos Povos e Comunidades Ancestrais de Matriz Africana da região. O objetivo foi apresentar a cartilha de como a Vale deveria tratar as reparações voltadas à comunidade religiosa, bem como o modo de tratamento e acolhimento das pessoas pertencentes às comunidades de Candomblé, Omolocô, Umbanda e Reinado.
No encontro, Seji Danjy, do Candomblé de nação Angola-Muxikongo, de Juatuba, relatou que “mesmo após todos esses anos do rompimento da Barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, que ceifou a vida de 272 pessoas e poluiu o Paropeba, o povo ainda luta e o rio ainda corre”.
A líder espiritual que faz parte da articulação Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana, que luta pela reparação dos afetados pelo desastre da Vale, explicou durante o encontro que o PCTRAMA nasceu no mesmo ano, meses depois do rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão e que a rede é resultado da união de comunidades de diversas comunidades religiosas de Matriz Africana de Juatuba, Mateus Leme e região.
“Nós, iniciados dentro do Candomblé, Umbanda ou Reinado, somos irmãos, formamos uma família dentro da nossa fé”. Fazem parte da articulação 42 Unidades Territoriais Tradicionais, com devotos de diferentes lugares. “Na nossa fé, nós temos uma territorialidade que abrange vários territórios diferentes”, apontou.
A líder afirma ainda que o conceito de UTTs é pouco compreendido pelo poder público e pela justiça justamente por extrapolar o caráter físico e abarcar o plano espiritual. O PCTRAMA representa os terreiros da Região 2 da Bacia Hidrográfica do rio Paraopeba. A conexão espiritual das religiões de matriz africana com a natureza é profunda. “O rio é importante. Para a gente ele é símbolo da presença da ancestralidade. O que está dentro dele, o que está nas suas margens e tudo aquilo que está ao seu redor”, reiterou o ogan João Carlos Pio, do Candomblé de nação Ketu, de Juatuba.
A luta
O grupo de lideranças religiosas luta pela compensação e descontaminação do Paraopeba e afluentes, que segundo estudos, está contaminado com metais pesados. O rompimento da barragem é apontado como a principal causa da contaminação. É possível acompanhar o histórico da qualidade da água do rio Paraopeba no Boletim Informativo do Cidadão da Fundação Estadual do Meio Ambiente.
De acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, os mesmos são “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
Marcados ancestralmente pela resiliência, os integrantes do PCTRAMA buscam a oportunidade de serem ouvidos e respeitados. O ogan João Carlos Pio entende que os terreiros ultrapassam o aspecto religioso. “O terreiro é cultural e político. Então é isso que caracteriza as comunidades, a sua relação com o território, com a manutenção do seu modo de vida, do sagrado”, explicou.
“Nós somos descendentes de povos que vieram escravizados para cá e viveram o terror e o caos da diáspora. A nossa tradição está marcada profundamente pela resistência, resiliência e pela crença firme de que a nossa ancestralidade é uma rede. Junto disso, temos direito de cobrar que o que é sagrado para nós, não seja devastado”, explicou Babá Edvaldo de Jesus, durante o encontro.
O protocolo de consulta já foi revisado pela AEDAS, assistência técnica dos atingidos, e entregue ao Governo do Estado, ao Ministério Público e à própria Vale. A expectativa é que a empresa siga as recomendações dispostas no folheto.