Mãe sim!

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Legenda: Paula Freire Santos Andrade Nunes
Legenda: Paula Freire Santos Andrade Nunes

Sou mãe sim! Ouso afirmar que todas as mulheres mães de filhos de outra espécie já disseram essa frase alguma vez na vida. E, sim, somos mães. A maternidade exercida por uma mulher que trata seu cão, gato ou qualquer outro animal senciente como filho tem as mesmas características, afetivas ou jurídicas, de qualquer outra. Mas por que, então, é tão difícil reconhecê-la?

O reconhecimento social de toda situação fática está na cultura; ou seja, num primeiro momento, a sociedade exige mudança, se acostuma com a nova realidade, questiona, cria um hábito e só depois reconhece aquilo como verdadeiramente normal e merecedor de valorização. No caso das Famílias Multiespécies – famílias formadas por membros de duas espécies: a mulher (animal humana) e o gato (animal não humano) – não é diferente.

De acordo com a última pesquisa realizada pelo IBGE de 2015[1], há mais animais domésticos nos lares brasileiros do que crianças. Estes números (132 milhões de animais domésticos e 44,9 milhões de crianças de 0 à 14 anos), somado com o crescimento de 7,8% do faturamento no mercado pet no Brasil entre os anos de 2014 e 2015, comprovam que os brasileiros e brasileiras não só têm autonomia para considerá-los membro da estrutura familiar, como também que exercem o valor jurídico do cuidado, se preocupando com o bem – estar do animal.

Infelizmente, no Brasil, qualquer animal ainda é considerado coisa, apesar de alguns projetos de lei que prometem alterar nosso Código Civil. Isso é o mesmo que dizer que seu gato, que convive e troca experiências intensamente com você, tem o mesmo status jurídico do seu guarda-roupa.

Entretanto, para além da discussão jurídica, cabe um questionamento à mulher: O que é ser mãe, afinal? Por certo, ser mãe não é só o ato de gerar filhos. Ser mãe, talvez, seja uma loucura: amar mais outro indivíduo do que você mesma e por ele ser capaz de dar a vida. É dormir em paz por ver seu filho alegre, com segurança e saúde. É tentar garantir a felicidade e o bem-estar e, mesmo com tamanha responsabilidade, agradecer! É se ver para sempre presa num amor universal, intenso, mas dolorido – que fere a alma, quando a mãe vivencia o luto.

E o que é ser filha(o)? Os filhos são capazes de sentir o amor da mãe e expressá-lo de volta. Se reconhecem na condição subordinada de filhos e têm consciência do ambiente familiar. Cooperam e interagem com a família com empatia, demonstrando afeto ou raiva. A linguagem não é inerente a todos, porque alguns, seja em razão da idade ou por deficiência, não sabem falar e se comunicam com outras expressões corporais. E uma mãe sabe ler todas elas!  

Filhas e filhos são moldados pelo ambiente familiar e social que vivem, e a genética tem menor responsabilidade nisso. Recente pesquisa da revista Science[2] sequenciou o DNA de milhares de cães de raças puras e mestiças e os comparou com um questionário respondido pelos pais dos animais, sobre seu comportamento. A pesquisa concluiu que a raça de um cão não diz muito sobre sua personalidade. Por exemplo, as características de caça, guarda ou pastoreio ou afetividade têm mais relação com fatores como ancestralidade do animal, idade e ambiente em que vive do que com a raça. Ao se comparar o DNA de várias raças, não foram encontrados, por exemplo, genes que justifica uma maior agressividade em uma raça do que em outra. Ou seja, um labrador pode ser mais agressivo que um Pitbull.

A pesquisa concluiu que a raça de um animal justifica sua aparência, mas explica apenas 9% do seu comportamento, sendo impossível prever a personalidade de um cão apenas por ser de determinada raça– diferente do que a crença popular acreditava.

Outra pesquisa[3] nos confirmou o que Darwin nos diz desde o final do século 19: que a capacidade de gostar ou desgostar nos animais mamíferos e de, portanto, sentir prazer ou desprazer, é criada pelo cérebro e que a evolução pode selecionar reações afetivas que moldam o comportamento. É também por reações neuropsíquicas que a ciência descobriu que os animais sentem verdadeiramente amor por seus pais humanos[4]. Em ressonância magnética realizada em alguns cães, os pesquisadores apresentaram a eles cinco cheiros distintos: o deles, o de outro animal desconhecido, o de um humano desconhecido, o de um animal conhecido e o do pai/mãe humanos; e eles reagiram sempre mais intensamente ao sentir este último, ativando o núcleo caudado do cérebro. Esta área cerebral, associada às sensações de prazer, é também ativada pelos humanos durante as primeiras fases do amor.

Seja diante das pesquisas científicas ou da experiência vivida no dia a dia, fato é que filho não é aquele que nasce da mulher, sendo esta uma característica secundária; mas sim aquele se comporta e é reconhecido como tal, que expressa afeto e cuidado, que se comunica e interage no núcleo familiar, recebendo o selo de membro da família, e que tem seu comportamento e personalidade moldados pelo ambiente em que vive. Como já dizia o professor mineiro João Batista Vilela: “Biologia sozinha não é capaz de constituir parentesco.”

Feliz Dia das Mães, portanto, a você, mulher, que exerce seu dever de criar, educar e cuidar de sua(seu) filha(o) de outra espécie. Sua filha (ou filho) te ama sim e reconhece e agradece por todo amor que recebe, basta interpretá-la. Mãe sim!

Paula Freire Nunes é advogada, especialista em Direito de Família. Membra efetiva do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e da Comissão de Direito de Família da OAB/MG e, claro, mãe do Romeu, do Bento, do Apolo, da Mione e do Zequinha-  os últimos três, guardados no coração. @paulafreirenunes


[1]IBGE – População de animais de estimação no Brasil – 2013 – Em milhões. Disponível em <http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camarassetoriaistematicas/documentos/camarastematicas/insumosagropecuarios/anos-anteriores/ibge-populacao-de-animais-de-estimacao-no-brasil-2013-abinpet-79.pdf > Acesso em 16-02-2019.

[2] https://www.science.org/doi/10.1126/science.abk0639

[3] https://www.science.org/doi/10.1126/science.abp8609

[4] https://super.abril.com.br/coluna/cienciamaluca/cachorros-sentem-amor-de-verdade-pelos-donos/

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