Apresentando-se como juiz e agentes do judiciário, eles cobravam cerca de R$10 mil por mediação
A Polícia Civil de Juatuba e Mateus Leme desarticulou um grupo que criou um fórum arbitral e se passava por juízes e agentes do judiciário. No total, quatro pessoas foram presas preventivamente e diversos materiais, como bandeiras, camisetas, adesivos e carros plotados, foram apreendidos. De acordo com a delegada Lígia Mantovani, responsável pela delegacia de Mateus Leme, a investigação começou a partir de uma denúncia feita pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Os suspeitos iludiam pessoas que os procuravam para resolver demandas jurídicas, afirmando que o local funcionava como um “mini fórum”. Para compor a imagem de fórum, foi criado um brasão, semelhante ao usado por órgãos do judiciário. “Tão logo chegamos no imóvel, no estabelecimento, a gente deu de cara com uma placa com a intitulação de fórum de justiça, já remetendo à expressão usada ao poder judiciário. Eles utilizavam do prestígio dos órgãos públicos, em especial, do poder judiciário para capitanear clientes”, detalhou a delegada. Além disso, a sala onde ocorriam as audiências foi organizada da mesma forma em que um fórum real, tendo inclusive um malhete, um tipo de martelo usado por juízes, e as bandeiras do país, estado e do fórum criado pelos acusados.
Foram apreendidos dois carros plotados e um carro de som que circulava nos dois municípios apresentando a chegada de um novo fórum a cidade. O suposto diretor do estabelecimento, Antônio César Borges da Mota, se apresentava como juiz de Direito às pessoas atendidas e atuava em procedimentos com envolvimento de menores de idade, sem a devida presença do Ministério Público. Ele dizia aos clientes que tudo seria resolvido ali, sem necessidade de procurar outros meios. Era enviada ainda uma carta de citação aos envolvidos em cada caso, simulando a intimação feita pelo judiciário. Porém, no caso do fórum arbitral, o comparecimento não é obrigatório.
O fórum arbitral, também conhecido como câmara arbitral, é uma prática legal, prevista em lei. Trata-se de uma entidade autônoma especializada na solução de conflitos sobre direito patrimonial disponível, por meio de regras e procedimentos próprios e dos mecanismos da Lei de Arbitragem. No caso do fórum de Juatuba, a questão é que os suspeitos foram além. Segundo a Polícia Civil, há registros da atuação deles em divórcios, investigação de paternidade, regulação de pensão alimentícia e outros processos nos quais seria necessário envolvimento do MPMG ou de um juiz de Direito legítimo.
Atuação em outras cidades
O fórum arbitral em questão foi criado em Betim. Na cidade, eles também foram denunciados por irregularidades na prática das atividades. O Ministério Público formulou na época um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelos envolvidos e descumprido posteriormente. O TAC foi firmado em 2019, pouco depois, no início deste ano, eles transferiram a câmara para Juatuba, para continuar o esquema ilegal.
Além dos objetos encontrados com o brasão do fórum, também foi localizada uma tabela com honorários advocatícios, que incluía pagamentos a juiz de fato e direito. Era cobrado cerca de R$10 mil por mediação. A dinâmica do atendimento funcionava da seguinte maneira: a pessoa procurava o fórum, era recebida por Antônio César, identificado como juiz/diretor da unidade, e ele a encaminhava para um dos advogados já conhecidos do grupo. Entre os presos durante a operação não há advogados, mas a delegada afirma que dois de Juatuba ainda são investigados.
Lígia destacou que não foi possível concluir o número total de vítimas, sendo que seis já foram ouvidas, e que todos os processos e acordos firmados no fórum precisarão ser revistos para que seja atestada ou não a validade dos mesmos. Conforme palavras da delegada, trata-se de exercício de advocacia privada em um esquema de farsa pública. Os presos serão indiciados por estelionato, falsidade ideológica, usurpação de função pública, exercício arbitrário de função, propaganda enganosa, associação criminosa, réplica ou reprodução de brasão oficial (o que é proibido por lei). Caso condenados, a pena pode chegar a mais de 18 anos de detenção.
César Motta
Antônio César Borges da Mota, também conhecido como César Motta, vinha ganhando visibilidade em Juatuba nos últimos meses. Ele era cotado como pré-candidato a prefeito do município pelo PSC, partido do qual era presidente. Em sua página no facebook, César se intitulava “teocrata – diretor do Fórum Justiça Nacional Direito Público e Privado”. São diversas as fotos publicadas do “diretor” no fórum acompanhado por outras autoridades e políticos da região, como os vereadores Mário Teixeira e Jorge Mello.
No perfil do fórum denominado “TRINAJUSDIP” também é possível ver diversas imagens de César. A movimentação da página fica restrita a 2016, quando o diretor foi candidato a vereador em Betim, uma atualização de foto de perfil em 2018 e a publicação do brasão da instituição em 2019.