Luciana Salomão, pediatra e especialista em neonatalogia

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Apesar de já convivermos com a pandemia da Covid-19 há quase oito meses, muitas questões ainda não foram esclarecidas. Nos últimos dias, o debate cresceu entorno do comportamento da doença nas crianças, em razão da expectativa pela volta às aulas. Conversamos com a pediatra e especialista em neonatalogia, Luciana Mara Oliveira Salomão, para entender como o coronavírus tem afetado os pequenos. Natural de Mateus Leme, a médica tem 34 anos e já trabalhou na rede municipal de saúde. Atualmente, seu foco são os recém-nascidos. Ela atua em um consultório próprio na cidade e dá plantão em hospitais de cidades da região como Itaúna.

1. O que mudou em sua atuação profissional nesses tempos de Covid-19? A demanda tem sido muito maior também em crianças? Você acredita que as crianças estão mais adoecidas por causa do isolamento?

A minha vida profissional não foi muito alterada por causa da Covid. Primeiro, porque eu não sou linha de frente, não trabalho em pronto atendimento com crianças doentes, trabalho em consultório, que geralmente são atendimentos de rotina, não são crianças graves, e trabalho em Contagem na maternidade com recém-nascidos. Às vezes, a gente tem mães com covid e temos que tomar cuidado, com todo aquele protocolo de isolamento e uso de equipamentos. Quando o neném nasce ele fica isolado da mãe na incubadora, fica no mesmo quarto, mas distante e a mãe só pode pegar o neném para amamentar depois de lavar a mão, passar álcool em gel, por luva e máscara. Então, é muito triste quando você vê uma mãe com covid e ela tem que ficar o tempo todo longe do bebê. Também já enfrentei casos muito tristes de mães com covid que foram para o CTI. Na maioria, o neném nasceu bem, mas a mãe foi para o CTI e, depois, graças a Deus se recuperou.

O único pronto atendimento que atendo é da Unimed em Itaúna e, vou te dizer que com essa pandemia o hospital ficou às moscas. A gente tinha uma média de atendimentos de mais ou menos seis a 10 consultas durante a noite, mas fiquei cerca de três meses sem nenhuma consulta. Em parte, por medo das mães de levar os filhos e, também porque com o isolamento, as crianças não estão indo na escola, nas creches e por não terem contato com outras crianças e acabam adoecendo menos. Com o coronavírus a gente percebeu também o quanto que as mães levam as crianças no pronto-socorro por motivos bobos. Claro que há crianças que realmente precisam ir, esta situação nos leva a pensar: como não aparece nenhuma criança em três meses seguidos de um plantão? Será que elas não estão doentes? Será que as mães estão com medo?

2. Em relação ao contágio pelo coronavírus, os riscos para crianças são os mesmos para todas as idades? Os sintomas da doença se manifestam de maneira diferente nos pequenos?

Essa pergunta é interessante. Por que as crianças adoecem menos que os adultos? Elas pegam menos, adoecem menos? O que se tem hoje nos estudos é que as crianças têm menos sintomas. O vírus quando entra no organismo delas e, não se sabe o motivo, ele não tem muita viremia, que é a quantidade de vírus no sangue. Se você não tem uma quantidade de vírus muito alta ou não tem um vírus potente, ele não causa sintoma. Se ele não causa sintoma, a gente não sabe que a criança está com a doença e, geralmente, a criança que não tem sintoma não transmite o vírus, é isso que a gente tem visto.

Tenho de 10 a 20 pacientes com covid e apenas um mais grave. Era uma criança que tinha asma, e, nessas crianças imunocomprometidas, cardiopatas, com câncer, HIV ou doenças respiratórias, a doença vai ser mais grave, devido à falta de imunidade natural. O vírus H1N1, por exemplo, tem muito mais potência que o da covid, a diferença é que o último é mais fácil de transmitir. Na criança, como não tem muito sintoma, você raramente pensa que a ela está com o vírus para testar. Nesses pacientes que eu tive, eu descobri que podiam estar com covid porque o pai e a mãe tiveram sintomas e eu tive que testar. Os sintomas das crianças que eu testei eram apenas diarreia e vômito leve, só isso.

3. As crianças acabaram sendo muito afetadas pela pandemia em diversos níveis. Nos últimos meses, o número de crianças efetivamente infectadas pelo vírus cresceu, só em Juatuba e Mateus Leme foram 344 casos suspeitos. Toda criança que estiver em ambiente público ou de aglomeração precisa usar máscaras? Como os pais podem fazer para proteger essas crianças do vírus, em especial aquelas mais novas?

As crianças vão pegar mesmo, porque os adultos estão pegando e como uma criança fica em casa sozinha? Não tem jeito. Então, se os adultos estão pegando mais covid, eles vão transmitir para mais crianças. É mais fácil uma criança pegar de um adulto, que tem a viremia mais alta, do que uma criança transmitir, apesar dela também transmitir. O que a gente sugere: máscara, a OMS e o Ministério da Saúde tentaram implantar a partir de dois anos, mas não tiveram sucesso. Agora, a última nota é máscara em crianças a partir de cinco anos. Antes dessa idade eles não conseguem, eles cansam, têm falta de ar, a máscara cai, eles não entendem que têm que ficar com a máscara.

Para prevenir, o ideal é o isolamento social. Quanto mais contato essa criança tem com outras ou com adultos, mais probabilidade ela tem de ter não apenas covid, mas outras doenças, como o sarampo. As crianças têm que ficar em casa, principalmente os recém-nascidos. Eles acabaram de nascer, ainda não tomaram vacina, não têm imunidade. A gente permite que ele saia de casa a partir de dois a três meses. Sabemos que criança gosta de abraçar, de beijar, de rolar na terra com os amiguinhos, então, não há como mandá-los para creche ou escola. Tem que manter em casa.

4. Alguns casos de crianças com covid têm evoluído para quadros mais graves na chamada Síndrome Inflamatória Mulssistêmica Pediátrica. Você tem acompanhado isso? Quando os pais devem se preocupar?

Como te disse não sou linha de frente do combate à covid, o caso mais grave que tive contato foi de uma criança asmática que foi para o CTI. O que orientamos é que se a criança apresentou algum sintoma respiratório de covid, deve-se observar e fazer o teste. Se estiver só tossindo, mas não estiver cansado, com falta de ar, está estável. Deve-se observar e medicar para febre, dor e ficar 14 dias isolado. Se piorar os sintomas, procure imediatamente o hospital ou pronto atendimento.

5. O distanciamento, em especial para crianças menores, pode ser bem difícil de ser explicado. É recomendado que os pais levem os filhos para brincar com outras crianças? De que forma a família pode contribuir para manter a saúde mental das crianças?

Em relação ao psicológico das crianças, tem afetado sim. A gente tem visto crianças mais obesas, com síndrome do pânico, com crises de ansiedade fortíssima, que não estão mais aguentando ficar em casa. No meu último plantão em Itaúna, eu atendi quatro crianças de idades variadas e a queixa era crise de ansiedade. Eram crianças normais, que não tomavam remédios controlados, não têm problemas neurológicos, mas que não estavam mais aguentando ficar dentro de casa.

As crianças estão comendo pior e muito mais ansiosas, porque não saem de casa, não fazem exercício físico e não têm contato com outras crianças. Tive que encaminhar várias para o psicólogo com estresse, hiperatividade, porque não têm onde gastar energia. É muito complicado você tentar manter o equilíbrio se a criança pode sair de casa ou não, pode brincar com a criança do vizinho ou não. Enquanto pediatra, e se fosse mãe, eu manteria minha criança em casa. Não temos estudos conclusivos sobre a covid na infância. O que eu aconselho é que os pais façam atividade com os filhos em casa e saiam com eles para lugares abertos. É preciso sair de casa, mas para lugares sem aglomeração.

6. A falta de rotina pode acabar desenvolvendo outros males como a má alimentação e a ansiedade. O que você tem recomendando para os responsáveis pelos seus pacientes para evitar o desenvolvimento de outras doenças neste período de pandemia?

As crianças, como eu disse, estão ficando mais ansiosas, com pânico e medo. Eu tenho médicos amigos meus que estão fora de casa desde o início da pandemia. Eu moro sozinha, não tenho filhos, mas tenho pai e mãe idosos e evito ao máximo ficar perto deles, mesmo não sendo da linha de frente. Mas não deixei de vê-los. Eu chego em casa, tomo um banho, higienizo tudo e vou lá. Na casa deles, fico sempre de máscara, não sento perto, não beijo, nem abraço e não compartilho utensílios. Eu tento manter assim, porque é muito complicado para todo mundo o distanciamento. A gente sente falta de um carinho. As pessoas estão muito 8 ou 80 e eu sou mais do meio. Temos que tomar as precauções, lavar as mãos, usar máscara, mas sem deixar de ter contato com quem a gente ama.

Os pais também precisam incentivar que as crianças façam atividades físicas. Hoje em dia tenho atendido muitas crianças obesas e sedentárias no consultório. Elas só querem mexer no computador, tablet, não querem andar de bicicleta, subir em árvore. Algumas porque não têm condições, moram em apartamento, não têm nem companhia, mas a maioria por preguiça mesmo, porque o pai não incentiva. Chegou a pandemia, as escolinhas de futebol e natação fecharam. Então, as crianças estão obesas, com colesterol alto, hipertensas, baixa vitamina D, e elas se tornam grupo de risco. É o 8 ou 80 que eu falo. Não existe só covid, temos outras doenças, como o sarampo, que muitas mães deixaram de vacinar porque acharam que porque a doença tinha sido erradicada não precisava mais vacinar os meninos. É preciso mais atenção a esses hábitos.

7. Os governos, em diversos níveis, têm feito campanhas massivas de vacinação. Qual a importância de os pais manterem o calendário vacinal das crianças em dia? Como isso contribui para o enfrentamento da pandemia?

Com a confusão de coronavírus, as mães ficaram com muito medo de ir ao posto vacinar os filhos. Errado, porque o menino não pega covid, mas pega sarampo, tuberculose, meningite e morre. A gente entende as mães que ficaram com medo, mas vacina é primordial, é prevenção para doenças gravíssimas. Com vacina não tem conversa, tem que tomar. A única coisa que contraindica a vacinação é a febre no dia ou alergia a algum componente. Esse ano a gente não atingimos nem metade das metas de vacinação das crianças, em parte por causa da pandemia, mas isso não pode acontecer. Se você não vacina o seu filho e ele passa a doença para o coleguinha, a mãe do coleguinha pode processar a outra que não vacinou. A vacina protege a comunidade.

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